Aquele 23 de maio que nunca termina

Thiago Ferreira Coelho
3 min readMay 29, 2024

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Eu queria surtar e gritar.

Não dava pra gritar, tinha gente dormindo e eu teria acordado a casa inteira. Mas eu surtei, mesmo em silêncio. Eu e mais uns 30 milhões de pessoas. Surtamos juntos, quando Paulinho cabeceou aquela bola para o fundo do gol do Vasco.

Era dia 23 de maio de 2012, no Pacaembu, em São Paulo. Eu não esqueço a data, porque é o dia do aniversário da minha mãe. Depois de um 0x0 no jogo de ida, no Rio de Janeiro, aquele Corinthians x Vasco produziria mais dois heróis para a já vasta galeria de ídolos corinthianos.

Valia pelas quartas-de-final da Copa Libertadores e era o confronto daqueles que possivelmente eram os principais times brasileiros da época. O Corinthians era o atual campeão brasileiro, o Vasco chegava credenciado pelo título da Copa do Brasil e pelo vice-campeonato brasileiro do ano anterior.

Até aquele ano, o Corinthians na Libertadores era certeza de fracasso. Motivo de piada, inclusive, depois de eliminações algumas vezes até cruéis com o torcedor corinthiano. Isso começou a mudar em 23 de maio de 2012.

O primeiro herói a surgir ali era o goleiro Cássio, recém-chegado ao clube e ainda há poucos jogos como titular, depois de ganhar a posição. O gigante, que debaixo das traves parece ser ainda maior (ele deve ter uns 20 metros de altura, não?), salvou um improvável chute de Diego Souza, que tinha ganhado uma bola de presente ainda no meio de campo e correu sozinho até a entrada da grande área. Era um gol certo. E certamente o Corinthians não teria tempo ou ânimo para reagir, se tomasse 1x0 naquela altura do segundo tempo. Aquela bola tinha destino certo, ia entrar no cantinho do gol. Mas Cássio salvou aquele chute, e também salvou a carreira do lateral Alessandro, que havia perdido a bola, mas que mais tarde naquele ano se consagraria o capitão de alguns dos principais títulos da história do clube.

Cássio, com a ponta dos dedos, defende a bola chutada por Diego Souza

A partida continuou 0x0 e, já com mais de 40 minutos jogados na etapa final, parecia que o duelo seria decidido na disputa de pênaltis. Uma eliminação na marca da cal seria outra crueldade com o coração corinthiano, já acostumado ao sofrimento. Até que surgiu um escanteio para o Corinthians. Paulinho, volante que já estava no time campeão brasileiro de 2011, subiu mais que todo mundo e afundou a testa na bola. Gol. Um palavrão murmurado. Uma explosão. A corrida até subir no alambrado, onde Paulinho ganhou um abraço de um torcedor que representava todos nós. Eu também estava naquele abraço. Uns 30 milhões de nós estávamos lá. Muitos gritando. Mas eu em silêncio, tinha gente dormindo.

Em maio de 2012, Cássio e Paulinho ganharam o coração de toda a torcida corinthiana. Naquele mesmo ano, Cássio, Paulinho e todo o time do Corinthians ganhariam a América e o Mundo. Após 12 anos, depois de mais alguns títulos, de bons e maus momentos, de saídas e retornos, em maio de 2024 chegou o momento de ambos se despedirem definitivamente do time e da torcida.

Em 28 de maio de 2024, com Cássio já fora do clube, Paulinho deixa o gramado pela última vez com a camisa do Corinthians. Aquele 23 de maio finalmente terminou.

Mas eu ainda estou naquele abraço. Pensando bem, aquele dia nunca vai acabar.

Paulinho abraça um torcedor, por cima do alambrado do estádio do Pacaembu

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Eu não sei escrever, mas escrevo. E não é contradição: disse que me equivocaria, como me equivoquei tive razão.

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