De joelhos

Thiago Ferreira Coelho
3 min readAug 1, 2024

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A cada gol do Yuri Alberto, a torcida do Corinthians vê a comemoração de deslizar de joelhos. Antes dele, outros corinthianos fizeram o gesto: Craque Neto e eu. A celebração do Neto ainda tinha um soco no ar, de gancho. E foi assim que fiz questão de comemorar meu gol.

O então jogador do Corinthians, Neto, comemorando um gol, de joelhos no chão e um braço erguido

Eu me lembro o dia, 5 de junho de 1992. Não tenho certeza se era a 3ª ou a 4ª série do primário — hoje, anos iniciais do ensino fundamental. A data eu não esqueço: era o Dia Mundial do Meio Ambiente e o Brasil sediava a Eco Rio 92, um grande evento sobre o tema. Eu ia completar 10 anos e achava importantes aquelas ideias de preservação ambiental. E ainda acho. Com aquela idade, eu achava que o então camisa 10 do meu time era o melhor jogador do mundo. E, de novo, ainda acho.

Nos meus delírios de criança que queria crescer e jogar no Corinthians, Neto era a principal referência. “Dez e faixa” é uma expressão recente para dizer que alguém é muito bom no que faz (não necessariamente jogar bola). Isso faz muito sentido para mim: Neto vestia a 10 e era o capitão (na minha cabeça de criança, todo camisa 10 tinha que ser o capitão). Natural querer imitar meu ídolo, ainda que sem tantas oportunidades pra isso.

Nunca fui craque. No clube, eu brincava com meninos mais novos, porque não tinha técnica para acompanhar garotos da minha idade (meu primo e meu irmão eram, respectivamente, um e dois anos mais novos que eu; para crianças, isso já dá grande diferença física). Na pelada da escola, eu era dos últimos a ser escolhido. Mas até perebas têm dias de glória. O meu foi em 5 de junho de 92.

Acho que meu time não perdeu, só não recordo o placar. Empatamos? Ganhamos? Fiz o gol decisivo? Não me lembro, mas tudo bem. A memória principal, a do meu momento de glória, permanece intacta.

Cheguei perto do gol, pela direita do ataque. Recebi uma bola cruzada, na entrada do que seria a pequena área (não havia marcação de linhas na Educação Física na escola. Duas cadeiras eram as traves improvisadas, e já era mais sofisticado que brincar na rua, onde a gente demarcava as metas com pedras ou chinelos). Chutei de pé direito, mesmo sendo canhoto. No contrapé do goleiro, que não tinha o que fazer, apenas torcer para aquele chute ir para fora. Mas foi dentro, no cantinho. Gol. Meu gol. O primeiro de poucos que eu faria em aulas de Educação Física até o fim do ensino médio.

Por uns segundos, deixei de ser o menino desengonçado que ninguém fazia questão de ter no time. Virei o camisa 10. Virei o Neto. Só havia um jeito possível de comemorar. Nem pensei, foi instintivo. Eu TINHA que correr e deslizar de joelhos no chão, finalizando com o soco de gancho no ar.

A comemoração, a corinthianice e eu ser meio gordinho eram as semelhanças que eu tinha com o Neto. As diferenças eram a qualidade técnica e o piso onde jogávamos. Ele fazia isso na grama, eu fiz no cimento: o pátio da escola, de chão meio chapiscado. Ralei os joelhos e as feridas ficaram uns dias, um lembrete do meu triunfo pessoal. Não precisava de lembrete. Três décadas já se passaram e nunca me esqueci do momento.

Neto, e depois Yuri Alberto, deslizaram mais diversas vezes. Espero que Yuri deslize outras tantas, enquanto vestir a camisa do Timão. Para mim, aquele dia bastou. Aos 42 anos, melhor não arriscar meus joelhos.

Neto deslizando de joelhos no gramado, após marcar um gol

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Written by Thiago Ferreira Coelho

Eu não sei escrever, mas escrevo. E não é contradição: disse que me equivocaria, como me equivoquei tive razão.

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